A figura de Maria, mãe de Jesus, ocupa um lugar central na tradição cristã, especialmente dentro da Igreja Católica e das denominações ortodoxas. Com o tempo, ela foi objeto de inúmeras doutrinas e dogmas que exaltam sua santidade e pureza, como a Virgindade Perpétua e a Imaculada Conceição. No entanto, é importante questionar essas doutrinas à luz da teologia bíblica e da compreensão da natureza humana. Maria, assim como qualquer outro ser humano, não está isenta do pecado, como afirmam os princípios que sustentam essas crenças.
A Questão da Virgindade Perpétua
A ideia de uma concepção virginal foi
construída pela História e pela Teologia ao longo dos séculos seguintes - e há
variações de compreensão disso, de acordo com a denominação religiosa
praticada.
Analisando essa evolução, o que parece é
que para os primeiros seguidores de Cristo, aqueles que conviveram com ele e
possivelmente conheceram sua mãe, esta questão não se apresentava como
relevante.
A doutrina da Virgindade Perpétua afirma
que Maria permaneceu virgem antes, durante e após o nascimento de Jesus. No
entanto, a Bíblia apresenta diversas passagens que indicam o contrário. Em
Mateus 1:25, diz-se que José não conheceu Maria "até que ela deu à luz um
filho". O uso do termo "até" sugere que, após o nascimento, a
relação conjugal foi normalizada. Além disso, os evangelhos mencionam que Maria
e José tiveram outros filhos (Mateus 13:55-56). A ideia de uma virgindade
perpetuada pode ser vista mais como uma construção teológica do que uma
realidade bíblica.
O dogma da Virgindade Perpétua de Maria
possui fundamento teológico baseado na Tradição
da Igreja e não nas Escrituras Sagradas, que afirma claramente que “todos
pecaram e carecem da glória de Deus” (Rm 3.23), e que “Quando Adão pecou, o
pecado entrou no mundo, e com ele a morte, que se estendeu a todos, porque
todos pecaram.” (Rm 5.12). A Virgindade Perpétua de Maria foi proclamada no
Concílio Regional de Latrão, em 649. O protoevangelho de Tiago, embora não
seja escritura canônica, é um documento escrito no século II d.C., não muito
depois do fim da vida terrena de Maria, este documento faz um grande esforço
para defender a virgindade perpétua de Maria.
A Igreja Católica Romana vê Maria como
“a Mãe de Deus” e “Rainha do Céu”. Os católicos creem que Maria tem um lugar
exaltado no Céu, com o mais estreito acesso a Jesus e a Deus o Pai. Tal
conceito não é ensinado, em lugar algum, nas Escrituras. Mas mesmo que Maria
ocupasse esta posição tão exaltada, ter ou não ter tido relações sexuais não
teria impedido que ganhasse tal posição. O sexo dentro do casamento não é
pecado. Maria não teria, de forma alguma, se degradado por ter relações sexuais
com José, seu marido.
A Imaculada Conceição
A crença de que Maria nasceu sem pecado
original, ou seja, imaculada, também levanta questionamentos. A tradição
católica baseia-se no dogma estabelecido em 1854 por Pio IX. Contudo, a
Escritura Sagrada, especialmente em Romanos 3:23, afirma que "todos
pecaram e carecem da glória de Deus". Esta visão universal do pecado é
fundamental na narrativa cristã: todos, sem exceção, estão sujeitos à condição
humana caída. Além disso, a própria Maria é retratada no Evangelho como uma
pessoa que, em momentos de dúvida e questionamento, demonstrou uma necessidade
de fé e confiança em Deus. Em Lucas 1:38, sua resposta ao anjo Gabriel,
"sou serva do Senhor; cumpra-se em mim segundo a tua palavra",
reflete uma aceitação da vontade divina, mas não denota uma pureza isenta de
dúvida ou pecado. Ao contrário, essa resposta pode ser interpretada como uma
demonstração de sua humanidade. Para que Maria fosse preservada do pecado
deveria haver uma conceição imaculada em cadeia em seus pais. Somente Jesus foi
preservado, pois foi gerado pelo Espírito Santo no ventre de Maria sem a
participação de homem algum. Já Maria foi gerada por pais naturais, numa
concepção natural manchada pelo pecado. Também a santidade de Jesus não depende
de sua relação com sua mãe. No evangelho de Lucas 1.46-47 está registrado o
chamado Magnificat ou Cântico de Maria. Nestes versos ela exalta a Deus e o
reconhece como seu Salvador, se Maria tivesse nascido sem pecado, qual seria a
necessidade de um Salvador?
A expressão "A minha alma
engrandece ao Senhor" é um ato de louvor e adoração, onde Maria exalta a
grandeza do Senhor. Esse reconhecimento indica a humildade e a gratidão de
Maria diante da grandeza de Deus e da obra que Ele está realizando por meio
dela.
Quando Maria se refere a Deus como
"meu Salvador", ela demonstra uma compreensão profunda da necessidade
humana de salvação. Esse reconhecimento não é apenas pessoal, mas também
teológico, pois implica que ela reconhece seu estado de pecado e a necessidade
de intervenção divina na vida de todos. Maria não se vê como alguém que
alcançou a salvação por suas próprias forças, mas como alguém que é beneficiada
pela graça de Deus.
Além disso, ao chamar Deus de seu
Salvador, Maria identifica-se com a condição do povo de Israel, que aguardava a
vinda do Messias e a realização das promessas de libertação e redenção. Sua
alegria reflete não só uma experiência pessoal, mas também a esperança coletiva
de um povo que anseia pela salvação que Deus prometeu.
A Natureza Humana e o Pecado
A teologia cristã tradicional sustenta
que Jesus é plenamente divino e plenamente humano. Se Maria fosse isenta do
pecado, isso poderia levar à implicação de que ela possuía uma natureza
superior à humana comum. Contudo, o cristianismo afirma que todos os seres
humanos são falhos e necessitados da graça de Deus para a salvação (Efésios
2:8-9). Ao considerar Maria apenas como uma serva de Deus e não como uma figura
sem pecado, reafirma-se a doutrina da redenção, que é o coração do evangelho. Maria
é apresentada não como uma deidade, mas como uma escolhida por Deus para uma
missão específica. Sua aceitação do papel de mãe de Jesus está repleta de
humildade e coragem. Isso pode inspirar os cristãos a reconhecerem sua própria
condição de pecadores e a necessidade de um Salvador.
Conclusão
A exaltação de Maria como imaculada e
perpetuamente virgem não encontra respaldo suficiente nas Escrituras e pode
desviar a atenção do papel central de Jesus Cristo na salvação, pois os que
assim creem neste dogma passam a atribuir a Maria o papel de mediadora e
intercessora acima de Jesus, o que contraria o que as Escrituras Sagradas
ensinam (Jo 14.6; Atos 4.12; 1Tm 2.5-6). Ao reconhecer Maria como uma mulher
comum, que também experimentou a fragilidade e os desafios da natureza humana,
pode-se celebrar sua grandeza em ter aceitado ser a mãe do Salvador, sem
atribuir a ela uma natureza superior àquela de qualquer outro ser humano, e sem
desmerecer o privilégio que lhe fora concedido por Deus de ser o instrumento pelo
qual o Salvador veio ao mundo (Gn 3.15; Gl 4.4).
Assim, a reflexão sobre o pecado de Maria não diminui seu papel na história da salvação, mas o coloca em um contexto que revela a beleza da graça divina: que mesmo os mais simples e imperfeitos são instrumentos poderosos nas mãos de Deus.
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