quarta-feira, 17 de fevereiro de 2021

Os desafios que dificultam a leitura da Bíblia - Lucas 24.13-35

 

 A nova visão do mundo e a visão do mundo na Bíblia.

A visão do mundo, que a ciência comunica, nos ensina que a terra é um pequeno planeta entre muitos que giram ao redor do sol, e que existem bilhões de galáxias no universo. Calcula-se que o universo existe há mais de 13 bilhões de anos, enquanto a Bíblia diz que ele foi formado em seis dias. Duas visões bem diferentes, sendo assim, como evitar que a ciência leve a Palavra de Deus ao descrédito? O que fazer para integrar a mensagem bíblica com a realidade que a ciência nos apresenta?

 A variedade das interpretações da Bíblia

No Brasil, uma grande maioria do povo não tem costume de leitura. Além disso, em muitos lugares, é difícil o acesso aos meios de leitura: jornais, revistas, livrarias. Mas hoje todos ou quase todos têm rádio, celular e televisão, e claro a internet. Aqui está um dos maiores desafios. Há muitas opiniões sendo divulgadas pelas várias religiões sobre a Bíblia. A TV Record, a TV Canção Nova, a TV Globo, a TV Aparecida, cada uma tem à sua maneira de ler e de transmitir as histórias da Bíblia. Como ajudar o povo a discernir e, assim, evitar que tudo se relativize? Quais os critérios para ajudar as pessoas a discernir e a não se acomodar na massificação? Como encontrar a Verdade, num mundo em que o relativismo coloca a opinião de cada um como sendo a verdade?

 O problema do “Fundamentalismo”

Na nossa linguagem, dizer “Fulano é um fundamentalista” não é nenhum elogio. A palavra sugere uma forma negativa de se buscar os fundamentos da vida. O fundamentalista se fecha na letra e não se abre para o Espírito. O apóstolo Paulo diz: “A letra mata, o Espírito é que dá a vida” (2Cor 3.6). De fato, a política desumana da Apartheid contra o povo negro na África do Sul era baseada numa leitura fundamentalista da Bíblia. A destruição de grande parte da religião e da cultura dos povos indígenas da América Latina no século XVI estava baseada numa leitura fundamentalista do livro de Josué. O mesmo fundamentalismo levou os cristãos a criar a inquisição que condenou muitas pessoas à morte na fogueira. Muitas guerras, tanto no passado como no presente, nasceram e continuam nascendo de uma leitura fundamentalista dos textos sagrados.  Hoje, diante da violência política que estamos vivendo, este fundamentalismo é o maior desafio porque está dividindo nossas comunidades.

Estes poucos exemplos mostram como o fundamentalismo teve e pode ter uma influência negativa sobre a leitura que o povo faz da Bíblia. Não nego que os fundamentos são necessários e essenciais para não se deixar levar por qualquer vento de doutrina que apareça (veja 1Co 3.10-11; Efésios 2.20-22; 4.11-16), mas a questão aqui é o fundamentalismo baseado numa interpretação equivocada e errônea do que a Bíblia nos ensina?

Como, então, buscar e encontrar os fundamentos verdadeiros da vida e da fé?

Na Estrada de Emaús, aparece o jeito de Jesus usar a Bíblia

Neste episódio de Emaús Lucas transmite para os cristãos do primeiro século e para todos nós os três momentos de como Jesus usava a Bíblia (Lc 24.13-35).

 1º Momento: interpretando a realidade (Lc 24.13-24): Jesus encontra os dois amigos numa situação de medo e descrença. As forças de morte, a cruz, tinham matado neles a esperança. Aquilo em que eles acreditavam parecia ter sido apenas um sonho, uma expectativa  que foi frustrada. Esta é a situação de muita gente hoje. Jesus se aproxima e caminha com eles, escuta a conversa e pergunta: "O que é que vocês andam conversando pelo caminho?" A propaganda do governo e da religião oficial da época, impedia-os de enxergar: "Nós esperávamos que ele fosse o libertador de Israel, MAS...".  O primeiro momento é este: aproximar-se das pessoas, escutar a realidade, sentir os problemas; ser capaz de fazer perguntas que ajudem a pessoa a olhar a realidade com um olhar mais crítico. Entender o momento da história de vida de cada um na história que sendo registrada e dirigida por Deus.

 2º Momento: interpretando a Bíblia e a história do povo (Lc 24.25-27): Jesus usa a Bíblia para iluminar o problema que fazia sofrer os dois amigos e para esclarecer a situação que eles estavam vivendo. Por meio da Bíblia ele situa a Cruz dentro do conjunto do projeto de Deus, desde Moisés e os profetas. Assim, ele mostra que a história não tinha escapado da mão de Deus. Jesus usa a Bíblia não como um doutor que já sabe tudo, mas como o companheiro que ajuda os amigos a lembrar o que eles tinham esquecido. Jesus não provoca complexo de ignorância, mas desperta neles a memória. O segundo momento é este: lembrar o que os profetas ensinaram e assim, com a ajuda da Bíblia, situar os fatos de hoje dentro do plano de Deus e ajudar as pessoas a transformar a cruz em sinal de vida e de esperança. Deste modo, a cruz que os impedia de caminhar, torna-se força e luz no caminho. O sonho que parecia ter acabado é na verdade o início de uma mudança na realidade que eles estavam vivendo.

 3º Momento: partilhando a Boas Novas na comunidade (Lc 24.28-32): A Bíblia, ela sozinha, não abriu os olhos dos discípulos. Ela fez e faz até hoje arder o coração. O que abriu os olhos e fez enxergar, foi a fração do pão, o gesto comunitário da partilha, a oração em comum, a celebração da Ceia. No momento em que eles reconhecem Jesus, Jesus desaparece. Às vezes, o povo pergunta: “Jesus desapareceu. Foi para onde?” A melhor resposta é esta: “Ele foi para dentro deles, pois eles mesmos ressuscitaram”. Pois, se Jesus estava vivo, com ele devia estar um poder ainda maior que o poder de Herodes e de Pilatos. Estes, o máximo que podem é matar. Não tem poder para fazer ressuscitar. Este poder maior, revelado em Jesus ressuscitado, faz os discípulos vencer o medo da morte. Eles mesmos ressuscitam. Ressuscitados, são capazes de caminhar com seus próprios pés. O terceiro momento é este: saber criar um ambiente de fraternidade, de celebração e de partilha, onde possa atuar o Espírito Santo. É ele que nos faz descobrir e experimentar a Palavra de Deus na vida e nos leva a entender o sentido das palavras de Jesus (Jo 14.26; 16.13). É ele quem nos leva a partilhar a vida, a verdadeira vida que nos foi dada em Jesus.

 O resultado do uso da Bíblia: Ressuscitar e voltar para Jerusalém (Lc 24.33-35): Os dois discípulos criam coragem e voltam para Jerusalém, onde continuavam ativas as mesmas forças de morte que tinham matado Jesus. Mas agora tudo mudou. Coragem, em vez de medo! Retorno, em vez de fuga! Fé, em vez de descrença! Esperança, em vez de desespero! Consciência crítica, em vez de fatalismo frente ao poder! Liberdade, em vez de opressão! Numa palavra: vida, em vez de morte! Em vez da má notícia da morte de Jesus, a Boa Notícia da sua Ressurreição! Imediatamente, eles levantam e voltam para Jerusalém (Lc 24.32-35). Os dois experimentam a vida, e vida em abundância! (Jo 10.10). Sinal do Espírito de Jesus atuando neles! O resultado do uso da Bíblia é este: Criar coragem, alegria e partilha. Superar o medo pela certeza de Jesus ressuscitado que está no meio de nós. Irradiar alegria pelo reencontro com Jesus, o mesmo Jesus de sempre que viveu com eles, morreu, ressuscitou e agora está no meio deles. Partilhar entre nós a fé na ressurreição e, assim animar-nos mutuamente.

Os três elementos básicos do método de Jesus revelado no caminho de Emaús: (1) A Realidade que faz sofrer e ficar desanimado. (2) A Palavra que anima e faz arder o coração. (3) O encontro comunitário, orante e fraterno, que abre os olhos e faz perceber Jesus presente no meio de nós.

E este Jesus presente que nos é revelado na Palavra que compartilhamos no domingo, deve fazer parte de nossas vidas todos os dias, quando partilhamos a Palavra no lar, no trabalho, na escola, onde você estiver. A Palavra de vida e vida eterna como disse Pedro quando questionado por Jesus depois de um longo discurso em que muitos o abandonaram: Senhor, para quem iremos nós? Tu tens as palavras da vida eterna (veja Jo 6.60-69).


extraído e adaptado de http://revista.olutador.org.br/

(Carlos Mesters e Francisco Orofino)

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