Ao refletir sobre a essência da Igreja, é fundamental revisitarmos suas origens e compreender o que os primeiros cristãos consideravam como o núcleo de sua reunião e comunhão. O termo grego *ekklesia*, frequentemente traduzido como "igreja", aparece em Atos 2:47, marcando o início de uma compreensão da comunidade cristã que transcende os edifícios e estruturas físicas que hoje associamos ao culto.
Nos primórdios do cristianismo, a Igreja era predominantemente uma "igreja doméstica". Os fiéis se reuniam nas casas, não por imposição de circunstâncias econômicas, mas por uma escolha consciente de manter a simplicidade, a comunhão íntima e a centralidade na vida familiar e comunitária. Segundo Unger, por cerca de dois séculos, as famílias continuaram a servir como locais de reunião cristã, uma prática que, embora pareça ingênua ou antiquada aos olhos contemporâneos, revela uma profunda compreensão da natureza da Igreja como corpo vivo e relacional.
Hoje, é comum acreditarmos que os edifícios de igrejas, com suas capelas e catedrais, representam o ideal de Deus para congregações. No entanto, essa visão muitas vezes obscurece a sabedoria dos primeiros cristãos, que priorizavam a essência da comunhão sobre a forma externa. De fato, há argumentos sólidos de que o gasto exorbitante em construções grandiosas, muitas vezes esvaziadas de uso durante a semana, contradiz a mensagem cristã de simplicidade, amor e cuidado com as necessidades humanas mais prementes. Como observa E. Stanley Jones, enquanto algumas igrejas investem milhões em joias, crianças famintas permanecem sem alimento, refletindo uma inversão de valores que necessita ser revista.
Essa reflexão nos leva a questionar: estamos gastando recursos de forma responsável e alinhada com os ensinamentos de Cristo? Os programas de construção de grandes templos, muitas vezes financiados por dívidas pesadas, podem se tornar obstáculos à expansão do evangelho. A preocupação excessiva com a manutenção de estruturas físicas muitas vezes limita a capacidade de investir em ações missionárias, na formação de novas igrejas e no atendimento às necessidades reais da sociedade.
Outro ponto relevante é a mentalidade de que é necessário um prédio impressionante para atrair pessoas aos serviços religiosos. Essa visão, além de ser contrária ao padrão do Novo Testamento, revela uma abordagem mais voltada para o entretenimento ou a ostentação do que para a verdadeira essência do encontro cristão: ensino, comunhão, oração e Partir o Pão. Nas igrejas primitivas, as reuniões eram voltadas aos crentes, com evangelização ocorrendo principalmente por meio do testemunho pessoal e convite nas relações cotidianas, não por eventos grandiosos em edifícios luxuosos.
A questão do formalismo também é um desafio contemporâneo. Algumas pessoas evitam os cultos tradicionais por considerá-los demasiadamente ritualistas ou por desconfiança quanto às motivações financeiras por trás das instituições. Contudo, elas se sentem mais à vontade em ambientes informais, como grupos de estudo em casas, onde a atmosfera é casual e a participação mais direta e pessoal. Essa preferência aponta para a necessidade de repensar o modelo de Igreja, valorizando a simplicidade, a autenticidade e a proximidade.
Historicamente, os apóstolos não buscaram formar organizações complexas ou estruturas hierárquicas elaboradas. Pelo contrário, a Igreja no livro de Atos era uma rede de comunidades locais, unidas pelo Espírito Santo, que funcionava de dentro para fora, com a liderança exercida por anciãos e diáconos nomeados pelas próprias assembleias. A ênfase era na vivência comunitária, no discipulado e na missão local, sem a necessidade de grandes instituições ou denominações que muitas vezes se tornam obstáculos à expansão.
Nos últimos séculos, assistimos a uma proliferação de organizações cristãs, muitas das quais se transformaram em instituições que consomem recursos, dispersam esforços e criam rivalidades internas. Essa multiplicidade, embora possa parecer uma expressão de diversidade, muitas vezes resulta em competição por recursos escassos, facções internas, invejas e uma perda do foco na missão central de Jesus: fazer discípulos de todas as nações.
Essa multiplicidade também tem causado uma fragmentação que prejudica a unidade do Corpo de Cristo. Cada organização, por mais bem-intencionada, muitas vezes prioriza sua própria agenda ou visão, esquecendo-se de que a verdadeira Igreja é uma e indivisível, fundamentada na unidade do Espírito. Como destacou GH Lang, os apóstolos fundaram igrejas locais, onde os crentes eram treinados e liderados por homens e mulheres reconhecidos pela comunidade, e não por estruturas hierárquicas impersonais ou organizações distantes.
Portanto, a reflexão que se impõe é: estamos, enquanto Igreja, voltando às raízes do Novo Testamento? Estamos priorizando a comunhão, a simplicidade e o foco na missão de Cristo? Ou nos deixamos seduzir por estruturas humanas que, muitas vezes, desviam nossa atenção do verdadeiro propósito do evangelho?
Que possamos aprender com os primeiros cristãos, valorizando as igrejas domésticas, os encontros simples de irmãos e irmãs, e redescobrindo a Igreja como uma comunidade viva, relacional e missional, onde a centralidade está na vida e no amor de Cristo, e não na aparência ou na estrutura material. Assim, cumpriremos de forma mais fiel o chamado de Jesus de fazer discípulos, ensinando-os a guardar tudo o que Ele ordenou, dentro do contexto de uma Igreja genuinamente encarnada na vida cotidiana.
(Extraído e adaptado)