A era digital tem revolucionado as relações humanas, permitindo que as pessoas conheçam, cultivem amizades, mantenham relações sexuais, exerçam profissões ou até pratiquem violência. Essa desconexão da realidade, embora facilitadora, enfraquecem a solidez da realidade e aumenta as ilusões sedutoras. Não é coincidência que, em um contexto cultural obcecado por potencialidades e expectativas, a fantasia ganhe destaque como fuga da realidade. Hollywood, pioneira na venda de sonhos há mais de um século, migrou de narrativas realistas para universos de super-heróis e reinos imaginários, como os vistos em Avatar, Harry Potter e Matrix. Os expectadores, imersos nesses mundos, revelam um anseio: habitar como heróis invencíveis ou atravessar portais para realidades alternativas.
O Boom dos jogos e a reinvenção do Eu
Essa tendência se intensifica nos videogames, cuja indústria bilionária confere-lhes legitimidade acadêmica – com diplomas em programação de jogos e críticas jornalísticas equiparáveis às de cinema autoral. O critério supremo é a "imersão", ou seja, a capacidade de camuflar a vida quotidiana. Predominam fantasias de poder e destruição: combates com espadas (Blade of the Immortal), guerras épicas (Call of Duty, Battlefield), onipotência (God of War, Prototype), vingança (God of War, Mortal Kombat) ou apocalipses (Left 4 Dead, Gears of War, Resident Evil). Jogos massivos online como World of Warcraft promovem colaboração em facções fictícias (Horda ou Aliança), onde a morte é trivial – um fantasma leva o jogador de volta ao corpo, sem sequelas duradouras.
Na esfera sexual, opções variam da pornografia facilitada e gratuita a mundos interativos como Second Life, onde avatares esculpidos atendem desejos: corpos jovens, esguios, adornados com tatuagens, piercings, espadas samurai ou pistolas Uzi. Essa fusão do primitivo medieval com o futurista espacial oferece escape da civilização moderna. Contudo, a perfeição virtual tem custo: a perfeição digital demanda pagamento real, e imperfeições reais (idade, obesidade, deficiências) são banidas. O reflexo disso, está na busca por um corpo perfeito por meio de cirurgias e plásticas no mundo real para que se pareça com a perfeição do mundo digital.
Desespero moderno e o vício da fuga
O que parece inofensivo revela patologias (transtornos) profundas. O anseio por outra identidade sinaliza desespero – um mal moderno, ausente em sociedades tradicionais com limites e responsabilidades estabelecidas. A liberdade individual, com escolhas de identidade até de gênero e fama sem mérito, eleva expectativas irrealistas, bombardeadas por imagens de vidas ideais alimentadas pelo mundo virtual. A fantasia, pretendendo aliviar, agrava o vazio: realça a decepção diária, gerando vício. Milhões devoram mais de 14 horas diárias em jogos ou mundos virtuais, buscando fugir do mundo real.
Paradoxalmente, Second Life evolui de erotismo para capitalismo virtual – vendas de terras e bens revelam o hedonismo, espelhando o mundo real. Surgem contra exemplos satíricos como Get a First Life, exortando: "Faça sexo de verdade!" Romances cibernéticos colapsam na transição offline: casais inspecionam-se via webcam, planejam encontros românticos as escondidas, mas lamentam a ausência de câmeras para validar a experiência; por fora buscam o prazer real, mas por dentro alimentam a vergonha e a culpa.
A tirania das telas e a percepção do mundo
As telas dominam: estão cada vez maiores e mais definidas em espaços públicos, menores em celulares e óculos futuristas, já existem até lentes de contato controladas por movimentos oculares. Imagens vibrantes, dinâmicas e aceleradas ofuscam a realidade "moribunda, estática e sombria". Como na alegoria platônica da caverna, o brilho das telas camufla as sombras reais; personagens digitais superam espectadores em vivacidade. Comportamentos na tela são exagerados: crises novelescas intensas, risos histéricos, indignações justas.
A edição frenética – mudanças a cada segundo – provoca respostas fisiológicas de alerta (4-6 segundos), mantendo cérebro e corpo em tensão perpétua. Isso vicia, mas desperta atenção sustentada, tornando a realidade insuportavelmente lenta. A experiência depende da atenção: a mente condicionada por telas, empobrece a percepção da realidade.
Riscos e possíveis saídas
As telas – de celulares a TVs gigantes – nos bombardeiam com imagens vibrantes, rápidas e perfeitas, fazendo a vida real parecer chata, lenta e sem graça. Elas criam um vício: o cérebro fica em alerta constante com cortes frenéticos, e paramos de notar o mundo ao redor, como prisioneiros na caverna de Platão, vidrados em sombras falsas. Pesquisas indicam que, ao praticar atividades que envolvem a atenção plena, podemos recuperar a beleza e a importância das experiências mais simples e essenciais da vida.
Extraído e adaptado do livro: A Era da Loucura, Michael Foley, Editora Alaúde

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